Empresas são condenadas por atrapalhar descanso e férias de funcionário
Notícias • 21 de Setembro de 2018
Teoria do “Direito à Desconexão” tem sido adotada por magistrados em julgamentos
A Justiça do Trabalho tem concedido indenizações a funcionários que, durante férias e horários de descanso, foram frequentemente importunados por mensagens e ligações no celular pelo empregador. Para situações como essas, os magistrados têm aplicado o que se chama de teoria do “Direito à Desconexão”.
Apesar de não existir norma específica que regule a prática no Brasil, como ocorre na França, já há decisões judiciais no país que determinam o ressarcimento do empregado que deixou de aproveitar momentos de lazer e descanso em razão de demandas da empresa. Os valores variam desde o pagamento de horas extras e férias indenizadas a valores fixados por sobreaviso.
Em um caso julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), por exemplo, um ex-analista do Banco JP Morgan recebeu o valor correspondente às férias que deixou de usufruir. Ele alega no processo que por exigência da instituição foi obrigado a levar laptop e celular para a praia nos poucos dias que tirou férias. Ele demonstrou por e-mail a exigência, além da necessidade de checagem da correspondência eletrônica até quatro vezes ao dia.
Os desembargadores da 3ª Turma mantiveram a sentença para que o funcionário tivesse o pagamento de férias indenizadas já que “ficou impedido de usufruiur plenamente de seu direito à desconexão” (Processo 0001662-55.2015.5.02.0078). A assessoria de imprensa do JP Morgan preferiu não comentar.
Apesar de não existir norma específica, a questão começou a ganhar relevância a partir da Lei nº 12.511, de 2011, segundo o professor de direito do trabalho Ricardo Calcini. A norma determina que a disponibilidade do empregado por meios telemáticos, como e-mail, WhatsApp, ou qualquer outro aplicativo, configura o trabalho à distância e não se distingue do trabalho realizado no estabelecimento do empregador. Além disso, segundo o professor, o tema está associado a direitos assegurados pela Constituição como a limitação da jornada de trabalho e o direito ao lazer e convívio familiar.
Segundo o advogado Túlio Massoni, do Romar, Massoni e Lobo Advogados, a tendência da jurisprudência é estipular um valor de indenização para suprir os períodos de lazer e descanso comprometidos. “Algo urgente que precise ser conversado ou pedidos pontuais, não devem levar a indenização”, afirma.
Em um dos primeiros casos analisados no Tribunal Superior do Trabalho (TST), a 7ª Turma concedeu indenização de R$ 25 mil a um ex-analista de suporte da Hewlett-Packard Brasil – em 2015, após a cisão com a HP (produtos), tornou-se HPE (servidores). O trabalhador alegou ficar ligado ao trabalho mentalmente durante os plantões que ocorriam por 14 dias seguidos e permanecer com o celular ligado 24 horas.
No processo, a HPE alegou que houve equívoco na caracterização do sobreaviso, já que apenas o plantão e o uso de aparelhos telemáticos não são suficientes para a sua caracterização. Segundo a defesa, seria preciso que o empregado estivesse à disposição da empresa e que exista manifesta restrição de sua liberdade de locomoção, o que não ocorreu.
“O avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador”, ressaltou o relator do agravo (AIRR-2058-43.2012.5.02.0464), ministro Cláudio Brandão.
Já um técnico de manutenção da Cenibra obteve indenização no TRT de Minas Gerais por ficar à disposição da empresa em casa, mas receber apenas pelas horas efetivamente trabalhadas. A 7 ª Turma do tribunal julgou (PJe: 0011175-24.2016.5.03.0033) que “ainda que se autorize o contato por aparelho celular durante escalas de plantão, a possibilidade de acionamento exclui a plena desconexão do trabalho e a oportunidade de livre deslocamento”.
Segundo a decisão não há mais exigência de que o empregado aguarde o chamado em sua residência para caracterização do sobreaviso, bastando a convocação para o trabalho no período de descanso. Os desembargadores consideraram a média de dois dias por semana e determinaram o pagamento de horas no valor de um terço do salário – por analogia ao artigo 244, parágrafo 2º, da CLT, que trata de sobreaviso para os trabalhadores em estrada de ferro.
A Cenibra informou por nota que o TRT “não acompanhou a jurisprudência pacificada na Súmula 428, do TST, e que fundamenta a correta conduta praticada pela empresa em relação a horas de sobreaviso”. Por esta razão, está recorrendo da decisão.
A Proxxi Tecnologia, do grupo IBM, também foi recentemente condenada, com base no artigo 244 da CLT, a pagar sobreaviso a um ex-funcionário no TRT do Rio. Ele fazia plantões em alguns fins de semana. Conforme decisão do desembargador Leonardo Dias Borges “mesmo nos momentos em que deveria usufruir de seu direito constitucional ao lazer, ao descanso, sendo este imprescindível inclusive para a higidez física e mental de qualquer ser humano, a reclamante não podia se desconectar do trabalho”. Diz que a atitude da empresa “fere o que modernamente vem sendo chamado de direito à desconexão”. A IBM não quis comentar o assunto.
Para evitar condenações, Túlio Massoni recomenda às empresas com prática de se comunicarem por aplicativo, que apenas enviem informações, sem que haja obrigação de respostas do empregado. E que não exista cobranças e ordem de serviço durante o período de férias, feriados, folgas ou fora do horário de expediente. Ele ainda indica que as companhias orientem gestores a não enviar pedidos de trabalho nesses períodos.
Fonte: Valor Econômico
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