Há uma relação de trabalho, ainda que não convencional, com vínculo empregatício, na maioria dos casos

Notícias • 03 de Novembro de 2021

Há uma relação de trabalho, ainda que não convencional, com vínculo empregatício, na maioria dos casos

03/11/2021

Elas são muitas e a cada dia ocupam mais espaço nas nossas vidas. As plataformas digitais estão por todos os lados, assim como as telas de nossos telefones inteligentes. Nós as utilizamos para reservar um quarto de hotel, para pedir uma pizza no fim da tarde ou mesmo para irmos de um lugar para outro na cidade. Nessa interação com as telas, não nos damos conta, mas, do outro lado, há um operário ou uma trabalhadora exercendo seu ofício ou profissão. Pode ser um cozinheiro, uma enfermeira, um professor, um motofretista ou uma motorista. Como todos os trabalhadores, têm direitos que demandam reconhecimento.
O mundo do trabalho é dinâmico e precisa se adaptar às inovações trazidas pela ciência e pela tecnologia, porém tais adaptações não podem resultar em precarização das condições de trabalho.
Há uma relação de trabalho, ainda que não convencional, com vínculo empregatício, na maioria dos casos.
A promessa vendida ao trabalhador de aplicativos é a de que ele será o dono do próprio negócio. Em tese, poderá empreender e trabalhar apenas quando quiser. Este sonho de ser o patrão de si mesmo, entretanto, não condiz com a realidade, porque, muitas vezes, o trabalhador não tem qualquer ingerência na negociação sobre as condições da prestação dos serviços. Como, quando, onde, por quem e por quanto determinado serviço será prestado, tudo é decidido pela plataforma.
Para convencer os trabalhadores a ficarem disponíveis todo o tempo, as empresas lançam mão da inteligência artificial e propõem metas de premiações, bônus, preços dinâmicos, rankings de pontuação, benefícios e também punições, em semelhança a um jogo, no qual os mais fidelizados são mais beneficiados.
Com essa política, as empresas donas dos aplicativos conseguem, além de uma massa de trabalhadores disponíveis de modo permanente, oferecer atendimento imediato a seus clientes. Esta multidão de trabalhadores, cuja mão de obra está sempre disponível a qualquer tempo e lugar, é o que possibilita o funcionamento eficiente desse tipo de aplicativo.
Cumpre estabelecer breve distinção sobre os tipos de plataformas digitais existentes: há os marketplaces, que conectam trabalhadores autônomos e consumidores, e há as plataformas que oferecem ao consumidor determinado serviço ou produto em seu próprio nome, sob suas exclusivas regras de controle, como é o caso da maioria dos aplicativos de transporte de mercadorias ou de passageiros.
É importante ter em mente que, para fins de reconhecimento de direitos, não há necessariamente diferença entre trabalhador de plataformas digitais e os trabalhadores de empresas do “mundo analógico”. A diferença reside unicamente na metodologia de contratação e de controle sobre seu trabalho, que se utiliza de meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, nos termos do que já está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 6º, parágrafo único. Eles continuam integrando as categorias profissionais vinculadas às atividades desenvolvidas pelas empresas que os contratam.
Na relação estabelecida entre trabalhadores e plataformas digitais que oferecem, em seu nome e sob suas regras de controle, serviços e produtos aos clientes, podem ser encontrados todos os requisitos para a configuração do vínculo empregatício: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
O trabalhador, para executar a atividade, deve fazer um cadastro na empresa, fornecer dados pessoais e bancários e ser selecionado. Durante o trabalho, é submetido à avaliação da empresa, que controla a qualidade dos serviços prestados. Está presente o requisito da pessoalidade.
Pelo trabalho realizado, o trabalhador receberá remuneração, unilateralmente fixada pela empresa de plataforma digital, sem qualquer tipo de negociação com o trabalhador ou com o consumidor. Nem o trabalhador nem o consumidor possuem autonomia para definir o valor do serviço. Esse requisito é denominado de onerosidade.
O trabalho realizado está inserido na dinâmica da atividade econômica da empresa e não há qualquer traço de transitoriedade na prestação de serviços ou no engajamento do trabalhador ao negócio alheio. Esse é o requisito conhecido como não eventualidade.
A empresa controla as demandas dos clientes e indica os trabalhadores para realizar o serviço contratado, sob condições estipuladas por ela. Também adota mecanismos para assegurar que o trabalhador se mantenha conectado na plataforma digital de modo permanente, com premiações, punições, como bloqueios – temporários ou definitivos, por meio da lógica das bonificações, ranqueamentos, fidelização e pressão de descadastramento. A discricionariedade para definir se o trabalhador será mantido ou não na plataforma digital é do gestor do negócio, que controla o desenvolvimento da atividade. A isso se chama poder diretivo, a outra face da subordinação. Ou seja, se a empresa tem o poder diretivo, do outro lado, o trabalhador lhe é subordinado.
Presentes esses elementos, não há dúvida de que se está diante de uma relação de emprego, garantindo-se ao trabalhador todos os direitos previstos na legislação trabalhista.
O mundo do trabalho é dinâmico, como toda a sociedade, e precisa se adaptar. Essa adaptação, no entanto, não pode significar precarização do direito do trabalhador. É preciso que o Estado elabore regras específicas para esse tipo de trabalho e que os direitos garantidos na Constituição de 1988 cheguem aos trabalhadores. O Ministério Público do Trabalho irá fazer esse papel, buscando a preservação desses direitos, que devem ser garantidos tanto em trabalho remoto quanto por meio de aplicativos.
Há uma relação de trabalho, ainda que não convencional, com vínculo empregatício, na maioria dos casos. A competência para apreciar as demandas, portanto, é da Justiça do Trabalho, que deve assegurar observância da legislação trabalhista.
Fonte: VALOR ECONÔMICO
César Romeu Nazario
OAB/RS 17.832

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