Armários privativos e o direito à intimidade

Notícias • 06 de Abril de 2015

Armários privativos e o direito à intimidade

A revista nos espaços cedidos pelo empregador ao empregado para que este possa guardar os seus objetos pessoais é tema objeto de discussões e polêmicas por envolver o embate entre o direito à propriedade da empresa e o direito à intimidade do trabalhador.

A CLT consagra, em seu art. 2º, o poder diretivo do empregador, que se manifesta por meio do controle, vigilância e fiscalização dos seus empregados. Todavia, o poder diretivo do empregador não é absoluto. Os procedimentos fiscalizatórios das empresas, quando exercidos no sentido de preservar o seu patrimônio, encontram limites no direito à intimidade do empregado.

A proteção de seu patrimônio faz parte do risco assumido pelo empregador ao desenvolver sua atividade, devendo buscar os meios menos gravosos ao empregado para que essa proteção ocorra.

O Tribunal Superior do Trabalho, contudo, tem se posicionado no sentido de que a revista visual de pertences dos empregados, feita de forma impessoal e indiscriminada, é inerente aos poderes de direção e de fiscalização, e por isso, não constitui ilícito. Nesta senda, vale mencionar trecho do acórdão do Min. Maurício Godinho Delgado, em decisão proferida pelo TST em 2011:

[…] é inquestionável que a Carta Magna de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias que agridam a liberdade e a dignidade básicas da pessoa física do trabalhador, que se chocam, frontalmente, com os princípios constitucionais tendentes a assegurar um Estado Democrático de Direito e outras regras impositivas inseridas na Constituição, tais como a da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput), a de que ninguém será submetido (…) a tratamento desumano e degradante (art. 5º, III) e a regra geral que declara invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X). Todas essas regras criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que venham cercear a liberdade e a dignidade do trabalhador. (…) Contudo, na hipótese, o eg. TRT deixou consignado que a Reclamada fornecia armários na entrada da empresa para os empregados que optassem por não ser revistados, ou seja, havia a possibilidade de os empregados evitarem as revistas. Ressalte-se ter sido também assentado pelo Regional que as revistas se justificavam pelo fato de a Reclamada dispor de informações privilegiadas e de questões afetas à segurança industrial, pelo fato de produzir equipamentos aeronáuticos para a indústria civil e militar. Assim, em face das particularidades do caso concreto, conclui-se que as revistas realizadas não podem ser consideradas abusivas ou arbitrárias. Incólumes, portanto, os dispositivos tidos por violados no recurso de revista. (TST, RR 1580800.02.2007.5.09.0007. Relator: Ministro Maurício Godinho Delgado, DEJT, Brasília, 25 mar. 2011.)

Entretanto, quando o quadro fático evidencia abuso de direito no procedimento, o TST tem reconhecido a existência de prejuízos de ordem moral ao empregado, senão vejamos:

DANO MORAL – REVISTA DE ARMÁRIO – PODER DIRETIVO E FISCALIZATÓRIO DO EMPREGADOR – EXCESSO – ATO ILÍCITO CONFIGURADO. A reclamada extrapolou seu poder diretivo e fiscalizatório, ao proceder à revista do armário do reclamante, sem sua prévia autorização ou presença, retendo até objetos pessoais. Não se trata de simples procedimento administrativo, em que a empresa, na presença do empregado, pode ter acesso ao seu armário, para retirada de objetos não pessoais, como equipamentos de proteção individual, mas de invasão à privacidade, ou seja, ao armário que foi colocado à disposição do reclamante, para a guarda, até mesmo, de objetos pessoais. O referido armário, como revela o TRT, possuía chave, o que evidencia, sem dúvida, seu uso personalíssimo, que, uma vez violado, resulta em dano à intimidade e à vida privada. Demonstrado, pois, o ato ilícito, bem como o dever de indenizar, permanece intacto o art. 186 do Código Civil. Agravo de instrumento não provido. (TST – AIRR: 429720105120015 42-97.2010.5.12.0015, Relator: Milton de Moura França, Data de Julgamento: 16/11/2011, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/11/2011)

Cumpre ressaltar a recente tendência de alguns tribunais regionais trabalhistas, inclusive o da 4ª Região, de considerar toda e qualquer revista como afronta ao direito à intimidade do trabalhador, sob argumento de que a intimidade do trabalhador não estaria restrita ao seu corpo. Ela também residiria em seus utensílios de uso pessoal, os quais não deveriam ser revirados sem um justo motivo, sob pena de, assim, afrontar-se a sua dignidade.

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTAS EM BOLSAS E ARMÁRIOS. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE RECONHECIDA. A prova dos autos autoriza concluir que a reclamante foi exposta a situações capazes de caracterizar o dano moral alegado e a consequente indenização. A revista, em qualquer de suas modalidades, é sempre atentatória à dignidade e intimidade do empregado. Recipientes pessoais, como bolsas, carteiras, sacolas, ou armários costumam conter pertences que o indivíduo considera úteis ou necessários de serem transportados, neles incluindo objetos ligados à esfera da intimidade que o trabalhador não deseja ver expostos. Recurso conhecido e provido para reconhecer a ofensa e condenar a ré ao pagamento de verba indenizatória. (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0000747-79.2013.5.04.0026 RO, em 30/09/2014. Redator: Des. Gilberto Souza dos Santos)

A revista deve ser o último recurso a ser utilizado pela empresa, tendo em vista o atual estágio da tecnologia e dos instrumentos de gestão empresarial, capazes de propiciar uma fiscalização eficaz, sem que haja a necessidade de revistar os locais reservados à guarda de pertences do trabalhador. Citamos, a título de exemplo, os circuitos internos de câmeras de vigilância, o uso de detectores de metais, o controle de saída e entrada de estoque, controle de circulação nas dependências da empresa, gestão patrimonial, dentre outros.

Todavia, em raríssimas exceções essa medida é justificável, como, por exemplo, em determinadas atividades em que a entrada ou saída de objetos pode resultar em riscos para a segurança das pessoas, bem como para o patrimônio empresarial. Somente a análise do caso concreto permitirá concluir pela licitude ou não da conduta do empregador.

Recomendamos às empresas cujo tipo de atividade empresarial imponha maior controle sobre o seu patrimônio, o máximo de cuidado possível ao realizarem revistas em armários, de modo a equilibrar o respeito à dignidade do empregado com o imperativo fiscalizatório. A revista em armários deve ser realizada com o consentimento expresso do funcionário (no contrato de trabalho ou regulamento interno), na presença deste e sem constrangê-lo ou expô-lo aos demais colegas. Jamais reter objetos pessoais e sempre agir com moderação e razoabilidade, evitando assim, afronta ao direito à intimidade do empregado.

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