Nova norma de saúde mental gera dúvidas
Notícias • 25 de Abril de 2025

NR-1 entra em vigor em maio, e 34% dos RHs ainda não estão cientes das mudanças.
A partir de 26 de maio, entram em vigor as alterações sobre saúde e segurança do trabalho propostas pela Norma Regulamentadora 1, ou NR-1. Com a mudança, passam a ser avaliados, além dos riscos físicos que o ambiente de trabalho proporciona ao trabalhador, também os riscos psicossociais. O texto da norma diz o seguinte: “O gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho”. Este adendo – “fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho” – ainda gera dúvidas para os RHs das empresas, mesmo a poucos dias de a norma entrar em vigor.
Um estudo realizado pela Safe Care Benefícios e HR First Class com mais de 500 profissionais de recursos humanos mostrou que 34% ainda não estão totalmente cientes das mudanças trazidas pela NR-1. Para Katia de Boer, CEO e fundadora da Safe Care Benefícios, como a norma impacta diferentes áreas das empresas, a informação nem sempre chega de forma clara e estruturada ao RH – por isso uma parcela relevante desses profissionais ainda não está ciente da NR-1. “A norma não é confusa, mas é técnica”, afirma. “Exige leitura aprofundada e, muitas vezes, apoio de especialistas em saúde e segurança no trabalho para uma aplicação correta e estratégica. Conceitos como GRO (Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) e PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) pedem mais que conhecimento legal, exigem mudança cultural nas empresas.”
A clareza em relação à norma divide opiniões. O médico do trabalho Marcos Mendanha explica que a NR-1 vem com a proposta de exigir que as empresas incluam os riscos psicossociais no PGR, assim como já incluem riscos físicos, químicos e biológicos. E aí surgem as dúvidas. “O que são esses riscos?”, ele questiona, dando como exemplo a autonomia. “A autonomia [dada ao trabalhador], quando é baixa, pode ser um risco psicossocial. Quando é mais alta, é promotora de saúde e engajamento”, detalha. “As empresas precisam avaliar os riscos, mas não está especificado.”
Ele comenta que existem diversas ferramentas que podem ser usadas para avaliar os riscos, mas pontua que o Ministério Público do Trabalho (MPT) não vai indicar ferramentas, pois entende que cada empresa tem suas particularidades e deve escolher suas formas de medir os riscos. “Está confuso”, afirma.
O médico Gustavo Locatelli, especialista em medicina do trabalho com formação executiva em saúde mental pela Universidade Harvard e professor da pós-graduação em saúde mental do Hospital Israelita Albert Einstein, comenta que existem métricas bastante objetivas para os riscos psicossociais clássicos que podem ser adotadas pelas empresas. “O fator de risco psicossocial é um universo amplo e complexo que basicamente depende da análise subjetiva do indivíduo, e [por isso] entramos em um universo que abre margem para interpretações. As empresas estão tentando entender como mapear os riscos e elaborar seus planos de ação”, afirma.
Ele diz que as empresas vão fazer uso de questionários para identificar os riscos, mas afirma que, no final, depende de avaliação do indivíduo, e exemplifica. “O que é excesso de trabalho? Dez e-mails de baixa complexidade são mais fáceis do que um e-mail desafiador para o qual você não tem habilidades para responder. O indivíduo pode enxergar [este último] como excesso de trabalho”, detalha, mostrando a complexidade da situação.
Para Locatelli será necessário usar diferentes ferramentas para mapear os riscos, pois cada uma avalia um grupo de demandas. “Não tem uma ferramenta única que dê conta de tudo”, avisa.
Na visão de Cirlene Luiza Zimmermann, procuradora no Ministério Público do Trabalho, a norma é clara e traz todos os agentes ou fatores de riscos no ambiente de trabalho que podem desencadear adoecimentos com suspeita ou relação com o trabalho. “O que tem de referência normativa detalhando está na lista de doenças relacionadas ao trabalho”, explicou ao Valor . Em artigo de sua autoria, comentou: “Considerando que a nova normativa não detalhou os fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho, seu mapeamento e sua avaliação devem ocorrer considerando conceitos e diretrizes já existentes […], a exemplo da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho do Ministério da Saúde [LDRT], atualizada no final de 2023, e as diretrizes da OIT [Organização Internacional do Trabalho] e OMS [Organização Mundial da Saúde], publicadas em 2022.”
Esta lista é ampla e prevê aspectos de gestão organizacional como “deficiências na administração de recursos humanos, que incluem estilo de comando, modalidades de pagamento e contratação [terceirização, trabalho intermitente, pejotização e uberização] e estratégias para gerenciar mudanças que afetam as pessoas”. Também inclui o contexto da organização do trabalho, citando “deficiência nas formas de comunicação e tecnologia”. E, ainda, característica das relações sociais no trabalho, como “deficiência no clima das relações e qualidade das interações”.
Mais, a LDRT menciona como fatores de risco o conteúdo das tarefas do trabalho, citando “exigências de carga mental e demandas emocionais”. Em documento recente, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mencionou como riscos psicossociais aspectos como baixa demanda (subcarga) ou excesso (sobrecarga) e até trabalho remoto e isolado, entre outros. Para Zimmermann, a norma não trata o trabalhador individualmente, e sim o coletivo do trabalho. “É claro que os programas de saúde mental são bem-vindos, mas o objetivo é o dia a dia da organização.”
“É claro que os programas de saúde mental são bem-vindos. Mas o objetivo é [melhorar] o dia a dia da organização”
Sendo assim, o primeiro passo para as empresas se adequarem à NR-1 é mapear dos fatores de risco segundo esses critérios e entender como eles afetam ou podem afetar a saúde dos funcionários. Feito isso, cria-se um plano de ação no Programa de Gerenciamento de Riscos. Zimmermann exemplifica: “Ao identificar que os funcionários fazem hora extra costumeiramente, isso é fator de risco”, diz. “Constatou um risco elevado, parte para o plano de ação com medida de prevenção imediata, como mudar algo na organização do trabalho, mudar alguma burocracia, contratar mais gente, melhorar sistemas que estão dificultando o trabalho… E uma vez definido, tem que ter acompanhamento contínuo.”
Ela frisa que a organização tem liberdade sobre como fazer as avaliações, mas alerta que não é para se limitar à pesquisa de clima, já feita amplamente por muitas organizações. Na visão dela, esse tipo de avaliação tem problemas. “Analisa só a fotografia, sem a compreensão do contexto”, explica. “Além disso, é sigiloso? Às vezes a pessoa não se abre.”
As fiscalizações do MPT seguirão da mesma forma que o órgão já executa para outros fatores de risco. Uma vez feita a inspeção e solicitada alguma alteração, a empresa tem um prazo para cumprir, sob pena de multa. Ainda que no Brasil o tema esteja causando discussões, os riscos psicossociais já são avaliados em outros países. Na União Europeia as diretrizes são de 2010, diz Locatelli. “São 15 anos de programas bem estruturados e implementados”, afirma.
O número de afastamentos por questões de saúde mental chegou a 472 mil em 2024 no Brasil, um aumento de 67% em relação a 2023, segundo dados do Ministério da Previdência Social. Ainda que nem todos estejam diretamente relacionados ao trabalho, o que é difícil precisar por uma série de fatores, os dados mostram que há um adoecimento crescente da força de trabalho. A atualização da NR-1 é uma tentativa de atuação nesse sentido.
A OMS estima que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos por ano devido à depressão e à ansiedade, o que representa um custo de quase US$ 1 trilhão à economia global, relacionado, de forma predominante, à perda de produtividade.
Fonte: Valor Econômico
César Romeu Nazario
OAB/RS 17.832
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