Igualdade salarial e transparência

Notícias • 11 de Março de 2024

Igualdade salarial e transparência

O cerne da questão é a busca por uma aplicação da lei que respeite o balanceamento entre a transparência salarial e a igualdade de gênero no local de trabalho, por um lado, e a proteção da privacidade dos empregados e a liberdade de gestão empresarial, por outro.

A implementação da Lei nº 14.611/2023 e do Decreto 11.795/2023 impõe novos desafios de conformidade para as empresas que operam no Brasil, focando na igualdade salarial e transparência de remuneração entre os gêneros. As empresas são obrigadas a produzir relatórios semestrais, detalhando a compensação dos empregados, com a exigência de que sejam anonimizados de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e tornados publicamente acessíveis.

As obrigações principais falam sobre o estabelecimento de um Plano de Ação para corrigir as disparidades salariais identificadas, com objetivos mensuráveis, prazos e que envolvam representação sindical e dos empregados. O não cumprimento pode resultar em multas de até 3% da folha de pagamento da empresa, até um máximo de 100 salários mínimos mensais.

Além disso, a legislação estabeleceu o avanço das habilidades e treinamento das mulheres, instando as empresas a promover programas de diversidade e inclusão no local de trabalho, que devem se concentrar em treinamentos sobre igualdade de gênero e no avanço das carreiras das mulheres em paralelo aos seus colegas masculinos.

Ademais, a nova legislação amplia a vigilância governamental para garantir a adesão às leis de discriminação salarial, o que pode levar a inspeções trabalhistas mais rigorosas. Portanto, as empresas devem estar preparadas para um aumento do escrutínio governamental e a necessidade de manter mecanismos de conformidade robustos para gerenciar e relatar os dados salariais.

Os dados de remuneração divulgados, embora destinados a serem anonimizados, podem sujeitar as empresas a julgamentos públicos e afetar suas reputações. Consequentemente, empresas devem gerenciar cuidadosamente essas informações sensíveis e antecipar seu impacto nas percepções das partes interessadas.

Contudo, fragilidades podem ser destacadas por conta da LGPD e da teoria de conflito de direitos fundamentais de Robert Alexy, revelando um terreno complexo onde se equilibram os direitos à privacidade, à proteção de dados e à liberdade econômica. A exigência de relatórios semestrais detalhando remunerações pode entrar em conflito com a LGPD, especialmente no que diz respeito à anonimização efetiva de dados. Mesmo dados anonimizados podem, em certos contextos, ser reidentificados, especialmente em pequenas empresas ou em posições únicas, o que pode violar a privacidade dos funcionários.

O tratamento e armazenamento seguros desses dados representam um desafio significativo, principalmente para pequenas e médias empresas que podem não ter recursos adequados e a divulgação pública de informações salariais, mesmo de forma anonimizada, pode ser vista como uma intrusão na privacidade dos empregados, acarretando um dilema entre o direito à privacidade e a transparência salarial.

Uma abordagem legal, por exemplo, é a contestação judicial com base na desproporcionalidade da aplicação da lei, argumentando que ela impõe ônus excessivos e desnecessários que colidem com a LGPD, com os direitos constitucionais de privacidade e com os princípios da Lei da Liberdade Econômica.

A conclusão é que, diante dos desafios impostos pela Lei e pelo Decreto, especialmente no que tange à igualdade salarial e transparência de remuneração, as empresas necessitam adotar uma abordagem multifacetada para garantir a conformidade.

Este cenário envolve não apenas a adaptação a requisitos técnicos e operacionais mais rigorosos, mas também a necessidade de navegar por um ambiente legal complexo, onde as novas regulamentações podem entrar em conflito com direitos fundamentais como a privacidade, a proteção de dados pessoais e a liberdade econômica.

Diante desses conflitos potenciais, as empresas têm à disposição medidas legais para buscar um equilíbrio mais justo entre as exigências da nova legislação e outros princípios legais consagrados.

O ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), bem como ações na Justiça Federal, como Ação Civil Pública ou Mandado de Segurança Coletivo, emergem como ferramentas para que as empresas desafiem aspectos da legislação que considerem desproporcionais ou prejudiciais.

O cerne da questão é a busca por uma aplicação da lei que respeite o balanceamento entre a transparência salarial e a igualdade de gênero no local de trabalho, por um lado, e a proteção da privacidade dos empregados e a liberdade de gestão empresarial, por outro. Essa busca por equilíbrio deve ser informada pelo princípio da proporcionalidade, conforme proposto por Robert Alexy, garantindo que as medidas adotadas sejam necessárias, adequadas e não excessivas em relação aos objetivos pretendidos.

Portanto, a conclusão é que, além das estratégias internas para cumprir com as novas regulamentações, as empresas devem estar preparadas para participar ativamente no diálogo jurídico e político sobre a implementação dessas leis.

Isso pode envolver tanto a adoção de medidas judiciais para proteger seus interesses e os de seus empregados quanto o engajamento em discussões mais amplas sobre a melhor forma de alcançar a igualdade de gênero e a transparência no ambiente de trabalho, sem comprometer outros direitos fundamentais.

Jorge Matsumoto e Christiana Fontenelle são sócios da área trabalhista do Bichara Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico

César Romeu Nazario

OAB/RS 17.832

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